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Hidrovia Tietê-Paraná em meio à crise hídrica

Perspectiva é controlar a vazão para permitir movimento de barcaças no horário de pico e só interromper via fluvia a partir de meados de agosto

Foto: Divulgação

A dor de cabeça causada pela iminente paralisação do transporte de cargas na hidrovia Tietê-Paraná vai ser bem menor neste ano, argumenta o Ministério da Infraestrutura, do que no biênio 2014-2015. Embora a crise hídrica seja mais intensa e a situação dos reservatórios seja mais preocupante agora, quem escoa suas mercadorias por esse corredor fluvial tem um cenário menos dramático pela frente, diz o ministro Tarcísio Freitas.

Para explicar do que se trata: o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a fim de evitar “perda do controle hidráulico” na bacia do Paraná, pediu à Agência Nacional de Águas (ANA) uma série de mudanças nas vazões dos reservatórios de usinas da região Sudeste. Ao mexer na cota mínima (altura do espelho d’água) de Jupiá e Ilha Solteira, na divisa de São Paulo com Mato Grosso do Sul, diminui muito o calado para a passagem de barcaças e o uso da hidrovia pode tornar-se inviável.

Tarcísio Freitas frisa diferenças com o biênio 2014-2015

O sistema Tietê-Paraná tem ganhado importância como solução logística. As principais cargas que passam por ele são soja, milho, cana, madeira, óleo, materiais de construção e adubo. Cada comboio equivale a 200 caminhões retirados das estradas. O frete rodoviário, no mesmo trecho, custaria de três a cinco a vezes mais. Sem falar na diferença de emissões dos gases de efeito-estufa. Com a situação dos reservatórios, falava-se em interromper completamente o funcionamento da hidrovia a partir de julho. Tarcísio faz três observações para diferenciar o momento atual do biênio 2014- 2015, quando o corredor fluvial ficou praticamente inutilizado.

1) Naquela ocasião, a cota baixou de uma vez para 318 metros, segundo Tarcísio. “Houve uma redução abrupta para a navegação, no passado, sem medir consequências”, afirma o ministro. Agora, em conversas com o ONS e a ANA, pensa-se em outra estratégia. “Queremos fazer uma redução de cota mais paulatina, sem ir diretamente para os extremos”, explica.

A ideia, conforme detalha Tarcísio, é trabalhar em “ondas”: aumentar a vazão somente nos dias ou horários de maior demanda da hidrovia. Com isso, seria possível esticar a operação do sistema Tietê-Paraná até a segunda semana de agosto, ajudando no escoamento da safra. “Estamos completamente alinhados ao objetivo de poupar água nos reservatórios. Trata-se de um ajuste operacional”, diz.

A desmobilização gradual da hidrovia permitirá aos donos de cargas procurar outras soluções de forma mais planejada, sem tanta correria, negociando contratos com as operadoras de ferrovias, por exemplo, para o escoamento de seus produtos.

2) Essa é justamente a segunda diferença acentuada por Tarcísio na atual crise hídrica: o trecho central da Ferrovia Norte-Sul (FNS), leiloado pelo governo em março de 2019, foi inaugurado neste ano e está em operação. Na hidrovia, a maioria das cargas é embarcada em São Simão (GO) e percorre 634 quilômetros pelos rios até Pederneiras (SP). De lá, sai das barcaças e seguia para Santos.

A Rumo, vencedora do leilão e hoje concessionária da Norte-Sul, botou para funcionar há três meses um terminal de cargas em São Simão e o trecho ferroviário até a Malha Paulista, que desemboca no porto. Não chega a ser uma alternativa mais barata do que a hidrovia, segundo produtores, no trecho em que há sobreposição dos dois modais. Eles próprios reconhecem, contudo, que é muito mais vantajoso em relação ao frete rodoviário.

“Isso demonstra claramente o acerto de termos mantido o leilão da Norte-Sul”, pontua Tarcísio, lembrando que, na época, houve frentes de pressão pelo adiamento do certame, até com pedidos de liminares judiciais.

3) Sobra um dilema de médio e longo prazo para resolver: se a hidrovia enfrenta restrições operacionais, a cada seis ou sete anos, aumenta-se a insegurança de investidores (estaleiros e empresas de cabotagem) e de clientes (produtos agrícolas) na sua utilização. Se crises hídricas tornam-se uma ameaça comum, há perda de confiança no uso do sistema Tietê-Paraná como uma alternativa às próximas safras.

A fim de diminuir esse risco, pelo menos parcialmente, o governo promete acelerar as obras de derrocamento do pedral de Nova Avanhandava (SP). As escavações no local, em um convênio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) com o Estado de São Paulo, tiveram início em 2017. No entanto, falhas no projeto de engenharia levaram à parada dos trabalhos pouco depois. Agora, que está na lei, a promessa é retomá-las.

Está na lei porque a MP da Eletrobras, que ganhou fama pelos jabutis incluídos ao texto original, teve uma emenda do presidente do Senado, Rodrigo Pachedo (DEM-MG), sobre essa obra. De acordo com a emenda, o derrocamento do pedral deve estar concluído até o primeiro semestre de 2024. Para executar esses trabalhos, haverá recursos da “nova” Eletrobras, que terá de destinar R$ 2,3 bilhões em dez anos à área de influência dos reservatórios de Furnas.

Essa intervenção permitirá que barcaças continuem usando a hidrovia com menor calado, de 323 metros (em vez dos 325,4 metros atuais), dificultando a imposição de novas restrições no futuro. É um obra orçada em cerca de R$ 300 milhões. Para ter uma ideia da dificuldade de realizá-la com recursos públicos, há R$ 11 milhões no orçamento do Dnit em 2021 para ela.

Conclusão: a seca histórica continua sendo uma péssima notícia para o funcionamento da hidrovia Tietê-Paraná, mas o quadro hoje é melhor do que na última crise. Na próxima grande estiagem, se e quando ocorrer, deverá ser ainda menos grave.

Debêntures

O projeto de lei que cria as debêntures de infraestrutura (PL 2.646/20) tem boas chances de evoluir nos próximos dias. Já foi aprovado regime de urgência em sua tramitação. O relator, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), se planeja para apresentar seu parecer na semana que vem. A votação no plenário da Câmara ocorreria na primeira quinzena de julho.

O que já existe, graças a uma lei de 2011, são debêntures com isenção de IR para investidores pessoa física que compram esses papéis. Elas se transformaram em uma excelente alternativa de financiamento para obras em energia, transporte, saneamento básico. A nova modalidade permite o acesso a investidores institucionais (fundos de pensão, fundos soberanos e outros). Em resumo, faria a infraestrutura do Brasil alcançar “bolsos mais parrudos”, como resume Jardim.

Fonte: Valor